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Marco Legal do Saneamento: dois anos e um mito persiste

O novo Marco Legal do Saneamento está completando dois anos em julho. De um lado, privatizações avançam: segundo balanço da Associação e Sindicato Nacional das Concessionárias Privadas de Serviços Públicos de Água e Esgoto, a participação do setor privado no mercado de saneamento básico nas cidades brasileiras subiu de 7% para 9,1%, entre 2021 e 2022. Por outro lado, algumas iniciativas seguem travadas, com processos envolvendo companhias estaduais sendo interrompidos. Enquanto isso, quase 30 milhões de brasileiros vivem em cidades com contratos de saneamento básico considerados irregulares, conforme recente estudo do Instituto Trata Brasil. Nesses municípios, 70% dos moradores não possuem coleta de esgoto. Ou seja, ainda há um longo caminho a ser percorrido para que os serviços sejam, de fato, universalizados.

Há diversos mitos que atrapalham essa evolução. Entre os maiores, a crença de que o subsídio cruzado é necessário para viabilizar o serviço em comunidades pequenas. Trata-se da prática de tirar recursos de cidades em que o resultado da operação é positivo para levar recursos àquelas em que os custos são maiores do que as receitas. A tese pode até parecer boa, mas, na prática, traz malefícios para o setor e para os cidadãos. O futuro do saneamento passa por tratamento descentralizado, sistemas fechados, incorporação de telemetria para medir e monitorar redes, adoção de novas tecnologias e ganhos de eficiência operacional. Não podemos continuar subsidiando ineficiências e modelos que ocultam os custos reais dos projetos.

Primeiro, porque mesmo um município pequeno pode ser superavitário. Existem quatro variáveis que impactam diretamente a viabilidade de um projeto: o tempo de duração do contrato (35 anos, em média), o valor da tarifa (as estatais estaduais possuem algumas das tarifas mais elevadas do país), o montante de investimentos necessários para universalizar o saneamento e como os recursos serão diluídos ao longo do tempo. Trabalhando bem esses elementos, praticamente qualquer cidade pode ser viável.

Segundo, porque se um município for efetivamente inviável, o poder público pode optar por subsidiar a universalização do saneamento. Essa será uma decisão que cabe àqueles que foram eleitos para isso. Companhias estatais não definem políticas públicas. Essa situação se agrava nos casos das sociedades de economia mista, com capital aberto em bolsa. Essas empresas não podem usar recursos de investidores minoritários para fazer subsídio cruzado.

Terceiro, porque se a empresa pública toma a decisão de operar municípios que, de acordo com sua estrutura de custos, são “deficitários”, estará prejudicando a concorrência e contribuindo para a dominação dos mercados — o que é inconstitucional. Elas devem respeitar a ordem econômica e financeira, bem como a economia popular. Talvez, outras companhias com estruturas de custos diferentes poderão operar de forma superavitária nesses mesmos municípios. Ao se impor o domínio do mercado a qualquer custo, toda a sociedade perde.

Quarto, se a estatal permanecer ocultando o custo real de cada projeto descumprirá os requisitos de transparência definidos na Lei das Estatais. Essa conduta também viola as melhores práticas de gestão de riscos, segregação de funções, prevenção de conflitos de interesses e vedação de atos que prejudiquem a boa governança. A legislação trouxe avanços importantes para melhorar a governança e reduzir o uso das estatais para fins partidários ou mesmo para desvios, mas os dispositivos legais precisam ser observados e praticados.

Passados dois anos da nova regulamentação do setor, o subsídio cruzado é usado como pretexto para manter ineficiências das estatais estaduais e impedir a entrada de novas empresas no setor. Essa conduta oculta o custo real de cada um dos projetos, atrasando investimentos necessários para levar, principalmente, coleta e tratamento de esgoto para todas as pessoas. Está na hora de acabar com essa velha prática. As companhias estaduais de saneamento precisam divulgar, amplamente, os custos e receitas, em cada um dos contratos, de forma clara e discriminada. O fim do subsídio cruzado significa o início da efetiva universalização do saneamento. Eis o principal objetivo do novo Marco Legal do Saneamento — e a necessidade urgente da população.

*Paulo Spencer Uebel, fundador e vice-presidente da Cristalina Saneamento e ex-secretário Especial de Desburocratização, Gestão e Governo Digital do Ministério da Economia

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