No meio da minha primeira noite em Rio Branco, na semana passada, senti um cheiro de queimado, mesmo com as janelas fechadas e o ar-condicionado funcionando. Poderia ser apenas sugestão da minha cabeça, considerando que eu estava em uma região seriamente afetada pelas queimadas que assolam nosso país. Porém, não era o caso, conforme o taxista me confirmou no dia seguinte. Ele ainda comentou que estávamos com sorte, pois fazia tempo que o céu não ficava tão azul quanto naquele dia. Assim, fui experienciando as polaridades do Acre nos três dias que passei por lá.
Vi e senti a tristeza das queimadas, das grandes áreas desmatadas para a pecuária e soja (mas com castanheiras solitárias deixadas intactas, pois “essas sim, se derrubadas dão cadeia”), além de uma capital quase sem prédios e árvores. Anos de ocupação irregular, motivada por incentivos perversos à exploração do território e políticas públicas mal implementadas, deixaram marcas profundas no Acre.
Por outro lado, fiquei encantada com o povo hospitaleiro e orgulhoso do seu estado, que lutou para ser brasileiro. Experimentei o famoso tacacá do Acre, feito com tucupi, e saboreei o orgulho acreano pela sua culinária de raízes indígenas. Conheci de perto a ONG SOS Amazônia, que há 36 anos luta incansavelmente pela conservação da biodiversidade e pela conscientização ambiental na Amazônia, contribuindo para a restauração florestal, proteção da floresta e apoio às populações tradicionais da região.
Entretanto, o que mais me impactou foi ver que a cidade tem um dos piores índices de saneamento básico do Brasil. De acordo com o SNIS 2022, em Rio Branco, apenas 53,6% da população de aproximadamente 365 mil pessoas têm abastecimento de água, 20,7% têm acesso à coleta de esgoto e somente 0,72% têm seu esgoto tratado. Além disso, 56,6% de toda a água captada é perdida, o que representa 52 piscinas olímpicas de água desperdiçada diariamente.
Foi gratificante ver que a SOS Amazônia vem recebendo muitas doações nacionais e internacionais para implantar seus projetos, especialmente com o aumento da atenção global para Amazônia, também impulsionada pela COP30, que ocorrerá no Pará em 2025. Porém, foi desanimador saber que existe total desinteresse dos doadores em incluir saneamento básico nos projetos.
Essa realidade reflete o pensamento fragmentado e reducionista que predomina no mundo dos negócios, filantropia e investimentos ao redor do mundo, sejam eles com ou sem fins lucrativos. Não temos mais tempo para abordar desafios complexos e sistêmicos de forma fragmentada, pois não promoveremos mudanças reais nos territórios investidos. Estamos nos iludindo ao pensar que protegeremos a Floresta Amazônica sem proteger suas águas e as pessoas que nela habitam. Precisamos estruturar novos modelos e projetos de restauração e conservação que incluam o saneamento básico na equação, se quisermos alcançar os impactos desejados. O Acre tem pressa.