O mundo convive continuamente com enormes impactos, seja pela mão dos humanos, como as guerras ou os acidentes ambientais, seja pela mão da natureza. Sim, a natureza é ao mesmo tempo bonita e violenta.
Ela dá vida com os quatros elementos: ar, água, terra e fogo e gera morte com esses quatro elementos, com tempestades, maremotos, terremotos e erupções vulcânicas.
Porém, o que nos impacta são os fatos chocantes momentâneos.
Passados esses choques, mesmo que o fato continue, o impacto naturalmente diminuiu. Já esquecemos as recentes catástrofes naturais do litoral paulista e os acidentes com as barragens de resíduos de minério em MG, entre tantos outros.
Estamos atualmente vivendo os impactos da guerra do Oriente Médio e, até por conta dessa nova guerra, a da Rússia versus Ucrânia nos impacta menos.
E, quando os impactos se tornam recorrentes, mesmo continuando a existir, a sensação de impacto vai diminuído com o tempo. É o que acontece com o saneamento.
Se temos uma crise hídrica na RM de SP é um caos, um drama, uma catástrofe. Já a crise hídrica contínua na região árida do Nordeste se tornou um tema rotineiro sem grande importância.
A seca atual dos rios amazônicos nos choca. Quem já viu o encontro do Solimões e Rio negro, criando o Rio Amazonas, não imaginava que isso pudesse acontecer. Chocante, dramático, porém, já vai passar e vamos esquecer.
Fundamental conhecermos esse aspecto temporal dos impactos para não criarmos expectativas de impacto pelas soluções, semelhantes aos do seu fato gerador.
Fundamental também podermos definir com clareza de quem é a responsabilidade por esses fatos geradores de impactos para que possamos enfrentá-los, preveni-los, evitá-los e solucioná-los.
No caso de impactos criados pela natureza não somos responsáveis por isso. Não temos como impedir a natureza de dar vida e gerar mortes. Impossível. Seria muita pretensão achar que podemos controlar e mandar na natureza.
O que podemos é conhecê-la melhor, respeitá-la e não a enfrentar. Fazer com que os impactos naturais positivos ou negativos possam contribuir para melhorar nossa vida.
Cabe a cada um dos países que convivem com esses fenômenos naturais aprenderem a lidar com eles e não culpar o seu vizinho pela sua incompetência em lidar com isso. Da mesma forma não cabe a quem não conhece um fenômeno específico dar lições a quem convive com ele e sim apoiá-lo e colaborar com ele no convívio harmônico com sua natureza.
Não imagino o Brasil dar lições aos países da região dos Alpes ou dos Andes de como enfrentar os seus problemas de degelo, avalanches ou inundações. Da mesma forma, não imagino que países que não possuem florestas ou rios como os Amazônicos possam dar, aos países da região amazônica, lições de como enfrentar suas dificuldades.
Podem e devem sem dúvidas apoiar e colaborar pois são parte interessadas e afetadas, mas não são os responsáveis por isso. Esse aspecto é válido também pelos impactos gerados pela humanidade.
Por exemplo, dos 193 países da ONU, 9 países serão responsáveis pelo aumento populacional de 2 bilhões de pessoas nos próximos 25 anos. Os demais terão declínio populacional. Desses 9 países, excluído os Estados Unidos da América, que contribuirá com um percentual pequeno de crescimento, 2 estão na Asia, Índia e Paquistão, e os outros 6 na África subsaariana, países esses que já convivem com grandes dificuldades sócio, econômica e ambiental.
Faltarão água, alimentos, energia e infraestrutura para os 193 países? Não, isso acontecerá apenas nos 8 países que contribuirão pelo seu aumento populacional excessivo.
A responsabilidade por isso é dos 193 países? Não, é desses 8 países. Os demais 185 países são partes interessadas ou afetadas por esse problema que não é deles.
Como lidar com isso? Conscientizado esses países dessa responsabilidade e os apoiando na busca e implementação de soluções para os seus problemas e não querendo resolver o problema no lugar deles sem conhecê-los e sem consultá-los.
Se assumirmos a definição e implementação de soluções para problemas que não são nossos e nem da nossa cultura, não obteremos resultados adequados e provavelmente ampliaremos os problemas. Aí sim seremos responsáveis por ele e muito provavelmente impossibilitado de solucioná-lo adequadamente.
Voltando ao saneamento. De quem é a sua responsabilidade?
Dos municípios, que são os titulares e não dos estados e do governo federal. Até porque o saneamento é local, entra e sai das casas das pessoas e tanto a produção de água como o tratamento dos esgotos devem ser realizados localmente diferentemente da energia ou da telecomunicação por exemplo.
Os estados e o governo federal são partes interessadas e afetados pelo saneamento. Podem e devem apoiar os municípios na busca e implementação de soluções, mas não devem se substituir a eles na responsabilidade pelo saneamento.
Esse é hoje um dos principais aspectos do atraso do nosso saneamento. Estados, via suas CESB, assumindo uma responsabilidade que não é deles, por uma imposição do governo federal a partir do poder do dinheiro, e os municípios aceitando essa situação de forma passiva.
Depois de mais de 50 anos aplicando esse modelo constatamos que o saneamento é um dos setores mais atrasado da nossa infraestrutura e um dos principais responsável por não conseguirmos acessar a condição de país desenvolvido.
Fundamental termos consciência desse erro histórico e corrigi-lo.
É urgente conscientizar os municípios dessa sua responsabilidade e ajudá-los a buscar soluções com colaboração harmônica e não com disputa pelo poder da responsabilidade.
Yves Besse